O marketing tem sido, ao longo dos anos, o impulsionador de várias áreas da inovação, como na indústria ou no comércio, na medida em que o seu foco é a pesquisa e o conhecimento das necessidades e interesses do consumidor, das pessoas, na sua vida quotidiana. Em consequência, o trabalho de criatividade dos seus profissionais procura dar resposta a estas questões, através da criação e disponibilidade no mercado, de soluções de produto, de serviço e de experiências, que possam conduzir ao interesse na relação com a empresa e, em consequência, a geração de resultados para elas.
É impossível falar de marketing, sem falar em inovação constante. O marketing, as suas estratégias e tácticas, dependem da evolução dos mercados, dos consumidores e de todos os agentes que se encontram na cadeia de valor, desde a produção ao consumo, isto é, de todos os stakeholders. Acresce que, para as empresas promoverem um desenvolvimento de um processo de inovação contínuo, há necessidade de serem flexíveis, ágeis, abertas à mudança, com uma perspectiva de gestão de médio/longo prazo.
O marketing assume um papel relevante neste processo, constituindo um trigger para o mesmo, na medida em que antecipe e acompanhe a evolução dos mercados, das tecnologias e dos comportamentos dos consumidores.
O marketing começa a deter um carácter científico, principalmente com Kotler (Marketing Management, 1967), no qual sintetiza um conjunto de princípios que vieram permitir à gestão, o conhecimento e análise do comportamento dos consumidores e do mercado, assim como a capacidade de previsão dos seus comportamentos.
A evolução dos mercados e das tecnologias, vieram permitir que o marketing atravessasse um conjunto de fases, desde a 1ª Revolução Industrial, do séc XIX, época da produção em massa, em que o foco se centrava no produto e na sua produção e venda (Marketing 1.0), atravessando os anos 60, em que a par do desenvolvimento de técnicas estatísticas, o foco passa a ser no consumidor e na sua segmentação (Marketing 2.0).
Com o despertar do novo séc.XXI, novas preocupações se afirmam, como a satisfação do consumidor e o início da preocupação da disciplina, com o ambiente e com os valores (Marketing 3.0, Kotler, 2010).
Kumar (2018), aponta para a necessidade de um novo marketing, que designa por “transformative marketing”, na sequência dos múltiplos impactos, que a tecnologia, os recursos ambientais e a sustentabilidade, as preferências dos consumidores, a regulação, as forças económicas, a globalização e a necessidade de maior eficiência do marketing, requerem.
Com a primeira década deste século, desponta a era digital e das redes sociais, que Kotler designa por Marketing 4.0 (2017). O mesmo autor (Kotler, 2021), define Marketing 5.0 como “a aplicação de tecnologias de imitação humana para criar, comunicar, entregar e aumentar o valor ao longo da jornada do cliente”, salientando que essas tecnologias têm como objectivo emular as capacidades dos profissionais de marketing.
Defino Humantech Marketing (Oliveira, 2023), como o Marketing Molecular e Humano, como “o novo marketing tornado possível pelo desenvolvimento tecnológico centrado no Ser Humano, fruto de um novo mindset empresarial e na possibilidade de antecipar, criar e personalizar, em tempo real, soluções e experiências imersivas e memoráveis, que possam exceder as expectativas de relacionamento de cada cliente, com uma empresa ou marca, gerando a sua maior fidelização”.
Ainda Kotler (2024) define o Marketing 6.0, ou metamarketing, como a fase em que “uma gama de estratégias e tácticas -. Baseadas na IoT, IA, Computação espacial, RA e RV e Blockchain - que permitem que as empresas proporcionem experiências imersivas através de meios físico e digitais”.
Raja Rajamannar (2021), na sequência dos quadros anteriores apontados por Kotler, defende que o 5º paradigma – o Quantum Marketing – se trata de uma era de disrupções exponenciais, derivadas das tecnologias emergentes. Segundo ele, “...as mudanças resultantes (da tecnologia) no panorama dos consumidores, obriga os profissionais de marketing a terem de entrar na dinâmica do novo paradigma e terem de reinventar toda a sua perspectiva de encarar o mercado”.
O marketing começa a sofrer uma verdadeira disrupção criando novas técnicas e instrumentos e adaptando-se aos novos ambientes comunicacionais e colaborativos, que as tecnologias e os comportamentos dos consumidores começavam a exigir.
Esta nova situação veio verdadeiramente possibilitar a mudança dos modelos de negócio da oferta para a procura, em consequência da alteração das expectativas dos consumidores, através da crescente personalização esperada da experiência do cliente (Venkatesan, Raj et al, 2021).
AMBIENTE TECNOLÓGICO E DE MERCADO
Vive-se, actualmente, no limiar da 4ª Revolução Industrial, com a progressiva automatização total das indústrias, da Nanotecnologia, dos meios Ciberfísicos, da Inteligência Artificial, da Realidade Aumentada e Alargada, do Machine e do Deep Learning, da Internet de Tudo, da Biotecnologia, dos Drones. Vive-se também no limiar, do que era antecipado na primeira década dos anos 2000, do Metaverso (Stephenson, Neal, 2008), no qual se fundirão as Realidades Física, Virtual, Aumentada e Alargada e a Internet.
A Revolução da Indústria, inteligente, 4.0 representa a nova era da interacção e integração dos sistemas Físico, Digital e Biológico, da supercomputação móvel, dos automóveis autodirigidos, do aprimoramento neuro-tecnológico do cérebro, dos robots e computadores inteligentes, da edição genética, num verdadeiro processo de inovação exponencial disruptivo
Contudo, à medida que algumas empresas e países começam a atravessar esta fase, já se desponta no horizonte, o que poderá ser designada pela Indústria 5.0. Esta vai constituir uma época do repensar da introdução de novos modelos de negócio, na concepção produtiva das sociedades e industriais centralizados no ser humano.
Complementarmente, o contínuo desenvolvimento das tecnologias de comunicação móveis, trazidos pelas gerações 5G e 6G, geram redes de transmissão com cada vez maior velocidade de comunicação e um nível de latência mais reduzido, indo possibilitar níveis de inovação crescente, em fábricas e cidades inteligentes interconectadas, em automóveis mais fielmente autodirigidos, na maior segurança das tecnologias e na emergência da cirurgia remota.
Todo este ambiente cadenciado pela evolução tecnológica, resultará cada vez mais com a sua fusão com o marketing, o Martech (Brinker, Scott, 2001), em particular na através da disponibilidade de novas soluções baseadas em Inteligência Artificial, que irão permitir entregar propostas de valor totalmente personalizadas, na sequência da verdadeira disrupção de processos e tácticas, iniciadas com a anterior revilução do digital.
Mas, como o futuro se vai progressivamente construindo, “o futuro já aí está, só que não igualmente distribuído” (Gibson, William, 2012), algumas empresas e países se encontram já em fases de investigação, teste e experimentação, de novas soluções tecnológicas, desde a agricultura, à indústria, transportes e logística (Siemens, Apple, Microsoft, e outras), ao comércio, serviços, transportes e logística (Nike, Amazon, Google, AliBaba, IBM, Facebook, Sephora, Pingo Doce/JM), de entre tantos outros exemplos.
Perante tudo isto, os modelos de gestão e de marketing que funcionaram no passado não vão funcionar no presente e no futuro1. Na linha de Kotler e Rajamannar, há, pois, necessidade de um novo paradigma que sirva de suporte a “um novo marketing”, que contemple todo o ciclo da disciplina, desde a fase de conhecimento do comportamento humano, à definição do mercado, ao planeamento estratégico, até à definição das cadeias e das propostas de valor, do marketing-mix.
Esta nova revolução disruptiva, vai assumindo o carácter de um novo paradigma, pois muitas das técnicas e modelos, face às ditas novas tecnologias, impõem um novo modelo de actuação, substancialmente diferente dos anteriores. Em particular, o fenómeno da digitalização e das emergentes tecnologias impacta todas as áreas da economia, da sociedade, da governação, da gestão, do marketing.
Os fenómenos anteriormente referidos, em particular a 4ª Revolução Industrial, que se afirmará na próxima década de 2030, e todas as tecnologias de comunicação e informação que a suportam, vão dar origem a uma nova fase em que a digitalização vai atingir plenamente toda a sociedade, em que as tecnologias estarão totalmente integradas, em que o consumidor/o ser humano terá um poder total de intervenção e exigência de personalização total no circuito económico e junto das empresas e das marcas, em que estas terão de praticar uma uma relação H2H, logo humanizada, que esteja próxima dessa exigências, e em que o marketing tenha a capacidade de responder, individualmente e ao momento, às necessidades dos seus clientes.
O Marketing Research atravessa igualmente um processo de alteração das suas metodologias tradicionais. O digital e a possibilidade do acompanhamento do comportamento humano no meio virtual e nas redes sociais, permite o seguimento das jornadas dos clientes, gerando novas extensões inovadoras na ciência, nomeadamente com a emergência da Antropologia Digital (Netnografia e Social Media Listening), conduzindo a novos e integrados processos de segmentação comportamental, permitindo até a compreensão e antecipação das necessidades, “ao momento”.
Neste ambiente, e se do ponto de vista conceptual, o marketing sempre elegeu “o consumidor” como central no desenvolvimento das suas políticas, estarão criadas – na fase que designei anteriormente por “pós-digital”, as condições técnicas para que “o ser humano” possa, de facto constituir o centro holístico do desenvolvimento das práticas “humantech” que coloquem definitivamente o marketing ao seu serviço, verdadeiramente uma nova fase do marketing humanizado, digitalmente integrado, colaborativo, Human to Human.
O ser humano, assim como todos os stakeholders do negócio, passarão a estar verdadeiramente no centro da actividade económica, facilitada pela capacidade industrial da personalização individual e total. Por isso, intitulo esta fase de Marketing Molecular e Humano, face à exigente atomização da relação exigida pelas pessoas na sua relação com as empresas e será igualmente consequência de uma alteração radical do mindset empresarial, que privilegie os stakeholders nas suas relações, e não só o lucro para os accionistas; baseie o seu funcionamento em networks, com estruturas empresariais com hierarquias mais achatadas; privilegiando o teste e a experimentação, através de processos de planeamento dinâmico; com uma larga transparência de gestão, interna e externa à empresa; e com uma perspectiva de gestão de médio e longo prazos.
Na sequência de várias preocupações do marketing na área da sustentabilidade e na defesa do meio ambiente, esta época será igualmente caracterizada pela prática de um marketing sustentável, em linha com estratégias de sustentabilidade das empresas, que tenham em conta não só os accionistas e clientes, mas também os outros stakeholders do negócio. O caminho estará, assim, aberto a uma nova fase do funcionamento das economias de mercado, no caminho mais afirmativo da Responsabilidade Social das empresas, já considerada uma prática mainstream (Varadarajan, Rajan 2018), para o designado “Capitalismo Consciente”, na senda da actuação de já algumas empresas, assim como organizações, como a americana “Conscious Capitalism Inc.”
Num mundo em que o digital será uma commodity, um “preço mínimo de entrada e permanência no mercado” (Oliveira, 2020), não um factor de diferenciação, viver-se-á plenamente a Economia da Emoção, onde novos e disruptivos ecossistemas de negócio, inovando e promovendo constantes experiências dos clientes e novas fontes de rendimento vão surgindo, num ambiente nunca antes experimentado.
Só o acompanhamento e a continuação do estudo da evolução das tecnologias, em particular dos efeitos da Inteligência Artificial, da Realidade Aumentada, do Machine Learning e do Deep Learning, e do desenvolvimento do designado Metaverso, assim como as respectivas respostas das empresas e da produção académica, poderão determinar a melhor afinação do apresentado e o ajustamento conceptual deste novo paradigma, que sirva como base de referência a uma melhor actuação das empresas e das organizações do mercado, a melhor satisfação do ser humano e a sua maior fidelização no quadro do novo Marketing Molecular e Humano.
Em particular, a adesão das empresas ao modelo apresentado, às mudanças necessárias do mindset da gestão e a, maior ou menor, velocidade na adesão e incorporação das novas tecnologias nos modelos de planeamento e gestão de marketing, irão determinar de que forma se vão tornar mais competitivas, num mundo em que a digitalização deixará de constituir um factor de diferenciação, mas tão só o “custo mínimo de entrada” em mercados globalizados, com um nível cada vez mais elevado de sofisticação.
Carlos Manuel de Oliveira
Janeiro 2025